Poesia com carimbo popular
No
Brasil, a xilogravura se disseminou como técnica de expressão à medida que foi
associada à literatura de cordel.
No
Princípio Era a Voz que se fez letra e, depois, xilogravura. Esta é a gênese do
cordel no Brasil. A voz da poesia cantada que depois vira letra impressa no
folheto e, por último, é acompanhada da xilogravura como ilustração. A história
da xilogravura, aqui, se mistura com a do cordel. Não há como desvincular uma
da outra.
O folheto de cordel nasceu como forma de imprimir os versos
entoados pelos cantadores-poetas do povo que interpretam os desafios. O
primeiro folheto de que se tem notícia apareceu em Recife, em 1865, impresso na
Tipografia de F. C. Lemos e Silva, com o título imenso de Testamento que faz um
macaco especificando suas gentilezas, gaitices, sagacidade, etc. Mas foi a
partir da abolição da escravidão do Brasil, em 1888, que houve o fortalecimento
dessa nova forma de expressão.
Os ex-escravos podiam agora ser integrados ao mercado de
trabalho formal e assalariados. Entre as novas profissões, proliferava a de
vaqueiros, encarregados de transportar o gado pelos sertões do Nordeste. Muito
desses caqueiros eram poetas do povo que entoavam aboios, canto típico do
trabalho para tanger o boi; ou desafios, uma disputa poética cantada de
improviso; ou ainda pelejas, outra espécie de luta poética em horas de
trabalho, de folga e de festa. Os poetas, nascidos em zona rural, estavam
“livres” e tinham certa autonomia para deslocamentos físicos.
Um dos primeiros e mais conhecidos poetas populares do
Nordeste foi Leandro Gomes de Barros, nascido em 1865, na cidade de Pombal, no
sertão da Paraíba. Em seus folhetos é possível encontrar narrativas sobre bois
muito recorrentes nos sertões nordestinos, como O Rabicho da Geralda. A
história é tão comum que o escritor José de Alencar chegou a classificá-la de
“poemeto sertanejo”. São dele célebres folhetos de cordel, como O cavalo que
defecava dinheiro, que inspirou o Auto da Compadecida, do escritor Ariano
Suassuna, e a Batalha de Oliveiros com Ferrabrás, um clássico baseado no tema
do rei Carlos Magno e sua luta com o diabo. Pela qualidade dos seus cordéis,
ele foi chamado por Carlos Drummond de Andrade de o “príncipe dos poetas”.
Outros pioneiros – todos paraibanos – são: Silvino Piruá de
Lima, nascido em 1848, que escreveu A História de Zezinho Mariquinha; Francisco
das Chagas Batista, nascido em 1882, que em 1902 publicou Saudades do Sertão; e
João Martins de Athayde, nascido em 1880, autor de O preto e o branco apurando
qualidade, de 1908, e responsável por introduzir ilustrações nas capas dos
folhetos de cordel no Brasil. Tanta ebulição cultural na Paraíba produziu, em
1913, a Popular Editora, uma casa de cordéis criada pelo poeta Francisco das
Chagas Batista – tão importante para a expressão cultural do Brasil que Mário
de Andrade chegou a dizer que merecia ser “célebre no país inteiro, se nós
fossemos verdadeiros patriotas”.
A xilogravura trata-se de uma técnica ancestral que
provavelmente se originou na China, no século II a. C. No Extremo Oriente, ela
era utilizada para impressão em tecidos, além do papel. Na Europa, foi
amplamente empregada nas ilustrações e impressão de cartas de baralho, imagens
de santos, guerreiros, reis e rainhas, e cenas de calendários.
A xilogravura
ajudava a fazer a “propaganda” dos fatos que interessavam à população. Era tão
popular nos séculos XIV, XV e XVI que passou a ilustrar os romances de
cavalaria, e até os autos de Gil Vicente – peças teatrais curtas sobre temas
religiosos e cômicos, que também influenciaram Ariano Suassuna no seu Auto da
Compadecida.
No Brasil, a xilogravura passou a ser produzida em 1808 pela
imprensa, que fazia pequenos anúncios de publicidade em jornais, revistas, e
também em ilustração de livros. A técnica propagou-se rapidamente no Nordeste.
Quase um século depois, em 1907, apareceu o primeiro cordel ilustrado com
xilogravura: A história de Antônio Silvino, escrito por Francisco das Chagas
Batista.
Se a Paraíba é o estado dos pioneiros do cordel, o Ceará é um
celeiro de bons xilógrafos, alavancados por José Bernardo da Silva, o maior
editor de literatura de cordel durante os anos de 1940 a 1960. José Bernardo
chegou a Juazeiro do Norte, no Ceará, na década de 1920, e logo iniciou suas
atividades como folheteiro – como eram conhecidos os vendedores de cordel. Em
1932, comprou sua primeira máquina (uma rudimentar impressora de pedal) e
fundou a Tipografia Lira Nordestina. Sua atividade editorial alcançaria o
apogeu em 1950 por causa da ilustração em xilogravura de muitos folhetos do
cordel: Alonso e Mariana, Juvenal e o dragão, João e Donzela Teodora, entre
muitos. Logo, a xilo passou a ser o grande atrativo dos cordéis. Graças ao
incentivo de José Bernardo, outros grandes xilógrafos, como Mestre Noza,
Antônio Relojoeiro e Expedito Sebastião da Silva, ficaram conhecidos. A
tradição da gravura no Ceará se mantém até os nossos dias, com Abrão Batista,
ilustrador dos seus próprios cordéis, e com o poeta e xilógrafo José Louzeiro.
(Edição
Especial 100. Beliza Áurea de Arruda Mello págs 70 e 71. Revista de História da
Biblioteca Nacional. Ano 9. Janeiro de 2014).