A Bagaceira
Era o êxodo
da seca de 1898. Uma ressurreição de cemitérios
antigos – esqueletos redivivos, com o
aspecto terroso e o fedor das covas podres.
Os
fantasmas estropiados como que iam dançando, de tão
trôpegos e trêmulos, num passo arrastado de quem leva as pernas, em vez
de ser levado por elas.
Andavam
devagar, olhando para trás, como quem quer voltar. Não tinham pressa de chegar,
porque não sabiam aonde iam. Expulsos de seu
paraíso por espadas de fogo, iam, ao acaso, em descaminhos, no arrastão
dos maus fados.
Fugiam do
sol e o sol guiava-os nesse forçado nomadismo. (...)
Vinham escoteiros. Menos os hidrópicos – doentes
da alimentação tóxica – com os fardos das barrigas
alarmantes.
Lúcio almoçava com o sentido nos retirantes.
Escondia côdeas de pão para distribuir com eles, como quem lança migalhas a
aves de arribação.
A cabroeira
escarinha metia-os à bulha:
-
Vem tirar a barriga da miséria...
Párias da bagaceira, vítimas de uma emperrada
organização do trabalho e de uma dependência que o desumanizava, eram os mais insensíveis ao martírio das retiradas.
A colisão dos meios pronunciava-se no
contato das migrações periódicas. Os sertanejos eram malvistos nos brejos. E o
nome de brejeiro, cruelmente pejorativo. (...)
Dagoberto olhava por
olhar, indiferente a essa tragédia viva.
A seca representava a valorização da
safra. Os senhores de engenho, de uma avidez vã, refaziam-se da depreciação dos
tempos normais à custa da desgraça periódica.
(Revista Língua Portuguesa pág36. Ano 9. Nº99. Janeiro de 2014).
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