Para Refletir.....

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quinta-feira, 13 de março de 2014

Indicação de leitura literária

A Bagaceira
             Era o êxodo da seca de 1898. Uma ressurreição de cemitérios antigos – esqueletos redivivos, com o aspecto terroso e o fedor das covas podres.
             Os fantasmas estropiados como que iam dançando, de tão trôpegos e trêmulos, num passo arrastado de quem leva as pernas, em vez de ser levado por elas.
             Andavam devagar, olhando para trás, como quem quer voltar. Não tinham pressa de chegar, porque não sabiam aonde iam. Expulsos de seu paraíso por espadas de fogo, iam, ao acaso, em descaminhos, no arrastão dos maus fados.
             Fugiam do sol e o sol guiava-os nesse forçado nomadismo. (...)
             Vinham escoteiros. Menos os hidrópicos – doentes da alimentação tóxica – com os fardos das barrigas alarmantes.
             Lúcio almoçava com o sentido nos retirantes. Escondia côdeas de pão para distribuir com eles, como quem lança migalhas a aves de arribação.
             A cabroeira escarinha metia-os à bulha:
-  Vem tirar a barriga da miséria...
Párias da bagaceira, vítimas de uma emperrada organização do trabalho e de uma dependência que o desumanizava, eram os mais insensíveis ao martírio das retiradas.
A colisão dos meios pronunciava-se no contato das migrações periódicas. Os sertanejos eram malvistos nos brejos. E o nome de brejeiro, cruelmente pejorativo. (...)
Dagoberto olhava por olhar, indiferente a essa tragédia viva.
A seca representava a valorização da safra. Os senhores de engenho, de uma avidez vã, refaziam-se da depreciação dos tempos normais à custa da desgraça periódica.
(Revista Língua Portuguesa pág36. Ano 9. Nº99. Janeiro de 2014).


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