Sua excelência, o leitor
Os livros
vivem fechados, capa contra capa, esmagados na estante, às vezes durante
décadas – é preciso arrancá-los de lá e abri-los para ver o que têm dentro. [...]
Já o jornal
são folhas escancaradas ao mundo, que gritam para ser lidas desde a primeira
página. As mãos do texto puxam o leitor pelo colarinho em cada linha, porque
tudo é feito diretamente para ele. O jornal do dia sabe que tem vida curta e
ofegante e depende desse arisco, indócil, que segura as páginas amassando-as,
dobrando-as, às vezes indiferente, passando adiante, largando no chão cadernos
inteiros, às vezes recortando com a tesoura alguma coisa que o agrada ou o anúncio
classificado. Súbito diz em voz alta, ao ler uma notícia grave, “Que absurdo!”,
como quem conversa. O jornal se retalha entre dois, três, quatro leitores, cada
um com um caderno, já de olho no outro, enquanto bebem café. Nas salas de
espera, o jornal é cruelmente dilacerado. Ao contrário do escritor, que se
esconde, o cronista vive numa agitada reunião social entre textos – todos falam
em voz alta ao mesmo tempo, disputam ávidos o olhar do leitor, que logo vira a
página, e silenciamos no papel. Renascemos amanhã.
Cristovão Tezza – A crônica da leitura – Obra aberta (revista
Língua Portuguesa – ano 9 – nº 98 – Dezembro de 2013 pág:35)
Nenhum comentário:
Postar um comentário